*Por Joel Silveira

Corpo Expedicionário 1
Até poucos dias, era neve, neve branca e espessa, Agora é lama
preta e mole. Amanhã, quando surgir o primeiro sol da
primavera, será a poeira. Assim vivem, nesta guerra, os
caminhos que serpenteiam através dos Apeninos.
O pracinha que me leva no jipe até o Esquadrão de
Reconhecimento, na manhã nublada, agarra-se ao volante como se
estivesse lutando corpo a corpo com um inimigo mais forte. O carro dá
pinotes, as rodas chapinham na lama, espremem-se nas curvas
estreitas, perde aqui e ali o rumo certo, como um animal cego.
Quando chegamos no “PC” do Esquadrão, somos dois
fantasmas escuros. O primeiro-tenente Solon Rodrigues D’Avila
me consegue um pouco de água quente e o sargento me entrega
uma toalha estadunidense. Mas não será hoje nem amanhã,
tenho certeza, que conseguirei desgrudar de mim a lama que trouxe dos
caminhos encharcados.
Eu havia prometido ao capitão Plínio Pitalluga – ele
foi promovido recentemente – uma visita ao seu Esquadrão,
mas não venho encontrá-lo. O 1º tenente Teodolfo
Benso Tavolucci, subcomandante da unidade, me informa que o capitão
foi gozar em Roma umas curtíssimas férias de quatro
dias, e que só estará de volta amanhã à
tarde. Mas está às minhas ordens. Quero um pouco da
história do Esquadrão e um resumo de suas atividades,
explico, e o tenente Tavolucci me diz: – Vou mandar chamar
nosso fichário. O “fichário” é o
segundo-tenente Odenath Damásio, de Santos, São Paulo,
Secretário do Esquadrão. “este homem sabe tudo a
nosso respeito”. E eis aqui os dados que o “fichário”
me ofereceu:
Corpo Expedicionário 4
O Esquadrão de Reconhecimento da 1ª DE foi criado no dia 2
de fevereiro de 1945. Antes ele já existia, no Brasil, mas não
com vida autônoma. Era uma unidade do 2º Regimento
Moto-Mecanizado, sediado em Porto Alegre. A incorporação
do Esquadrão à Primeira Divisão Expedicionária
se deu no dia 9 de fevereiro do ano passado. Embarcou no primeiro
escalão e chegou a Nápoles no dia 15 de julho de 1944.
No dia 30 seguiu para Tarquínia, e no dia 18 de agosto
transportou-se para Vada. Em setembro do ano passado o Esquadrão
estava em Pisa, em cuja frente de batalha iniciou suas
atividades.
O batismo de fogo do Esquadrão teve lugar no dia 16 de setembro
do ano passado. A unidade foi, naquele dia, dividida em duas
patrulhas, uma comandada pelo 1º tenente Belarmino Jaime de
Mendonça e a outra pelo segundo-tenente Odenath Damásio,
o “fichário” que me entrega estes dados. A
patrulha do tenente Damásio foi incumbida de reconhecer a
frente brasileira, situada no eixo Ponte S. Pietro, S. Macario in
Piano e S. Macario in Monte. E as ordens para o tenente Belarmino
consistiram em reconhecer a zona compreendida entre Chiesa,
Massarosa, Pieve, Monte Manho, operação esta que foi
realizada debaixo de um intenso fogo de morteiros nazistas.
Pelo que ficou aí em cima, o leitor terá mais ou menos uma
idéia do que seja a função de um Esquadrão
de Reconhecimento: cabe aos seus homens tatear e vasculhar
os terrenos que o inimigo vai deixando no seu recuo.
Isto significa dizer que o Esquadrão de Reconhecimento é
a primeira unidade de um Exército a pisar numa área
recém-conquistada. Seus homens não são soldados
das calmarias e pasmaceiras que, como esta de agora, costumam cair
sobre o “front”. São homens das ofensivas e dos
ataques. Eles ficam de “reserva” quando a frente está
calma, e a “reserva” consiste, como dizemos, em carregar
pedra: exercícios de artilharia e morteiros todos os dias,
lições de patrulha, etc.
O Esquadrão de Reconhecimento brasileiro já tem a seu
favor algumas proezas de vulto. Foi ele, por exemplo, quem
primeiro entrou em Massarosa, quando do avanço do capitão
Airosa sobre Camaiore. Foi ele também quem ocupou Gaggio
Montano, no dia 20 de novembro do ano passado. Poderíamos
citar também perto de uma dúzia de “retomadas de
contato”, uma das tarefas mais perigosas desta guerra. O
trabalho tem sido duro, mas a estrela do Esquadrão é
muito boa, me diz o primeiro-tenente Tavolucci, até hoje a
unidade só perdeu um homem, o segundo-tenente Amaro
Felicíssimo da Silva, do Distrito Federal, que foi morto
pelos nazistas no dia 20 de novembro último, quando comandava
uma patrulha. Os feridos também têm sido poucos: o
primeiro-tenente Braz Teixeira Filho, do Rio, que foi atingido na
perna por um estilhaço, e que já se encontra de volta
depois de alguns dias de hospital. O tenente Braz foi ferido quando
tentava socorrer, no dia 5 de dezembro último, na frente do
11º Regimento de Infantaria, o 2º sargento Erasmo
Aquino de Oliveira, atingido pelo fogo de morteiros dos
nazistas. Um dos pelotões do Esquadrão já
foi comandado pelo capitão Belarmino Jaime Ribeiro Mendonça,
que dirigiu o ataque a Massarosa, e que, vítima de um
acidente, foi evacuado para o Brasil. E o primeiro comandante da
unidade foi o capitão Franco Ferreira, um bom soldado que
deixou gratas recordações entre seus subalternos e que
hoje também se encontra no Brasil.
MORTOS DO 1º ESQUADRÃO
DE RECONHECIMENTO NA ITÁLIA
-
2º
Sargento PEDRO KRINSKI - 1º ESCALÃO Falecido
em 24 de Setembro de 1944 - Vítima de Estilhaço
de uma Granada - REGIÃO DE CAMAIOR
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Cabo BENEDITIO ALVES - 1º ESCALÃO Falecido
em 17 de Novembro de 1944; VÍTIMA DE ACIDENTE COM ARMA
DE FOGO. REGIÃO DE CASA FRANCO – ITÁLIA
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-
2º Tenente AMARO FELICÍSSIMO DA SILVEIRA - 2º
ESCALÃO Morto em Combate em 20 de Novembro de
1944 - REGIÃO DE MONTILLOCO (GAGGIO MONTAN)
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Soldado BERNADINO DA SILVA - 2º ESCALÃO Morto
em Combate em 22 de Abril de 1945 - REGIÃO DE GRANALI
(PANARO)
|
O atual comandante do Esquadrão é o
meu amigo capitão Plínio Pitalluga, “o
idealista”, como o chamam aqui. O tenente Tavolucci, de São
Paulo, é o subcomandante, e há também ainda
os seguintes oficiais: primeiro-tenente Braz Teixeira Filho,
comandante de pelotão; primeiro-tenente Solon Rodrigues
D’Avila, do Rio Grande do Sul, Oficial das Transmissões;
primeiro-tenente Sílvio da Costa Reis, do Distrito Federal
segundo-tenente Mário Ernesto de Souza Júnior, também
do Rio, tesoureiro, aprovisionador e almoxarife; segundo-tenente
Heitor de Carvalho França, do Rio, comandante de pelotão,
o nosso já conhecido segundo-tenente Damásio, “o
fichário”, e o tenente-médico Rubens de Aquino. A
maioria dos homens do Esquadrão é composta de cariocas,
pois a unidade foi organizada no Rio. Mas há também
gaúchos, paulistas, paranaenses e pernambucanos. Há
também um sergipano de São Cristóvão, e
quero realçar aqui a onipresença sergipana na Força
Expedicionária Brasileira.
O armamento do Esquadrão é composto
de carros blindados armados de canhões e metralhadoras muito
potentes, morteiros e armas individuais. Um detalhe: cada carro
blindado – não confundir com tanques – dispõe
de um excelente rádio, o que vale dizer que o “PC”
do Esquadrão, em matéria de música e noticiário,
é o melhor servido de toda a FEB. Finalmente, o Esquadrão
de Reconhecimento é, na frente brasileira, a única
tropa de cavalaria organizada. “Representamos a imortal
cavalaria de Osório e de Andrade Neves”, como me disse o
tenente Tavolucci.